Entre os dias 4 e 9 de abril, o MST realizou 13 ocupações em Pernambuco, como parte do “Abril Vermelho”. Foram ocupadas terras da Usina Santa Teresa (em Goiana) e da Usina Nossa Senhora do Carmo (em Pombos), ambas na Zona da Mata; já no Agreste, o movimento ocupou terras das Fazendas Brasil (em Gravatá), Barra do Ribeira (em Águas Belas), e Mandioca (em Altinho), além de terras do governo do estado (em Limoeiro); os Sem Terra também levantaram bandeira na Mata Sul, no engenho São Manoel (Rio Formoso), e na Mesorregião da Mata Pernambucana, no engenho Bela Vista (Catende).
No Sertão pernambucano, foram ocupadas as Fazendas Primavera (município de Floresta), Boi Caju 2 (Tacaratu), Galdino (Riacho das Almas) e Malhada (Arcoverde), além das antigas terras da empresa Copa Fruit (Petrolina). Juntas, estas ocupações reúnem mais de 3,6 mil famílias de camponeses.
Luta pelas ocupações
No dia 06/04, por volta de 1 mil famílias ocuparam parte do latifúndio da fazenda Copa Fruit, em Petrolina (PE) no Vale do São Francisco, localizada nas proximidades do IFPE – Campus Sertão. A área possui cerca de 500 hectares e está há mais de 20 anos sem abastecimento de água, energia elétrica ou realizando atividade produtiva.
Em vídeo divulgado no Instagram do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra — PE, diversos agricultores aparecem na localidade, levantando suas ferramentas de trabalho.
De acordo com a declaração do movimento nas redes sociais, o objetivo da ocupação é chamar a atenção do governo, agilizar os trâmites burocráticos e evitar que o imóvel seja leiloado. A empresa que detinha as terras recentemente decretou falência e é alvo de uma série de processos judiciais trabalhistas.
Uma reunião foi realizada na segunda-feira (07/04) com representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em nota, o órgão confirmou que existe um procedimento administrativo em andamento para desapropriar a fazenda Copa Fruit, em Petrolina, e destiná-la ao Plano Nacional de Reforma Agrária.
A 1ª Vara Cível da Comarca de Petrolina deferiu, no dia 10/04, o pedido liminar de reintegração de posse dos lotes 191 e 192 do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho, que compõem a área ocupada pelos camponeses na fazenda Copa Fruit. Os trabalhadores vêm sendo acusados pela empresa por sua autodefesa contra os pistoleiros do latifúndio e o suposto porte de armas brancas, apesar de nunca ter se pronunciado sobre os crimes cometidos contra os moradores.
O vereador bolsonarista de Petrolina Dhiego Serra (PL) se agitou com a mobilização camponesa e disse, em entrevista no dia 08/04, que a polícia deveria retirar os camponeses “na bala”. A entrevista foi dada dois dias depois de uma visita do vereador ao latifúndio para ameaçar os camponeses, segundo o MST. Florisvaldo Araújo, uma das lideranças do MST em Petrolina, afirma que o parlamentar também chamou os trabalhadores de “bandidos”, declarando que “quem invade propriedade privada é criminoso”, reforçando o apoio a uma ação policial imediata para desocupação da área.
A disputa por essa terra tem um histórico de repressão. Em 2018, a PM despejou famílias do acampamento Chico Sales, situado na mesma propriedade. Conforme noticiou o portal da rede GN, após o ocorrido, lideranças do Sindicato dos Agricultores Familiares de Petrolina (Sintraf) aguardaram por mais de 24h um posicionamento da 3ª Superintendência Regional da Companhia de Desenvolvimento do Vale São Francisco (Codevasf) sobre a reintegração de posse ilegal realizada na Fazenda Copa Fruit, próxima ao Núcleo 4 do Projeto de Irrigação Senador Nilo Coelho, mas nada foi feito.
Na manhã do dia 31 de outubro de 2018, agentes da Companhia e do Distrito atearam fogo e usaram tratores para derrubar casas das famílias do acampamento. A ação ocorreu enquanto os agricultores trabalhavam. De acordo com Antônio José Pereira, camponês que residia na área os moradores da ocupação perderam móveis, roupas e objetos pessoais durante o ataque latifundiário.
Ao ser informado da derrubada, Antônio se dirigiu ao acampamento, mas só conseguiu fazer filmagens dos móveis em chamas. “Quando cheguei, não tinha o oficial de justiça, policiais ou nenhum documento com a ordem de reintegração de posse, apenas os guardas que fazem a vigilância do canal e uma representante do departamento de latifúndio da Codevasf dizendo que tinha o poder de polícia para fazer aquilo”, comentou ele.
Ocupações seguem histórico de lutas pelas regiões
No dia 5 de abril de 2025, os camponeses também ocuparam a Fazenda Barra da Ribeira, entre as cidades de Águas Belas e Iati, no Agreste, onde o movimento afirma que os mais de 400 hectares de terra estão há mais de 20 anos improdutivos. Já no município de Riacho das Almas, o MST, junto a aproximadamente 150 famílias, ocupou a Fazenda Galdino, latifúndio sob tutela do ex-prefeito de Cachoeirinha (PE), o Beto de Tôta.
No Polo Industrial de Pernambuco, em Limoeiro, 205 famílias ocuparam uma região do polo industrial de Pernambuco que está abandonada há mais de 10 anos. Segundo o MST, o objetivo da ocupação é denunciar a improdutividade da propriedade, ocupar para pedir a desapropriação da área e transformá-la em um território produtivo. O polo tem 30 hectares no total, e dentre diversas negociações do governo com empresas privadas, o polo encerrou as atividades sem nenhuma justificativa oficial.
No município de Altinho, camponeses ocuparam a Fazenda Mandioca, em denúncia ao abandono e à improdutividade da propriedade. De acordo com o MST, Altinho é o polo na produção agrícola de Pernambuco nas categorias do leite e da pecuária.
Na cidade, há um histórico de lutas de mais de 14 anos. Em 2011, no dia 12 de outubro, sem nenhuma ordem de despejo do governo estadual, mais de 50 policiais iniciaram uma operação de guerra contra famílias assentadas próximo à Fazenda Serra Azul e, sem dar nenhuma chance às famílias de recolherem seus pertences, começaram a colocar fogo nos barracos, enquanto funcionários da fazenda passavam com um trator por cima do que restava. Pistoleiros chegaram e passaram a ameaçar os camponeses, até mesmo idosos e crianças. As famílias estavam acampadas dentro da fazenda e foram violentamente despejadas.
Para Cássia Bechara, então integrante da Direção Estadual do MST, a presença dos pistoleiros ameaçando as famílias não foi surpresa. “Quando ocupamos a área pela primeira vez em abril desse ano, fomos recebidos por pistoleiros e pelo proprietário, armado com uma espingarda 12 e um revólver. Durante os quatro meses que ficamos acampados antes do primeiro despejo, em julho, os pistoleiros armaram um acampamento a uns 300 metros do nosso e ameaçavam as famílias permanentemente. Fizemos denúncias à Ouvidoria Agrária Nacional e ao Promotor Agrário de Pernambuco. Dr. Edson Guerra inclusive visitou o acampamento e pôde comprovar pessoalmente a presença dos pistoleiros. Dr. Gercino solicitou uma investigação pelo Ministério Público de Altinho que, apesar de três diligências da polícia dos municípios de Altinho e Agrestina, que viram os pistoleiros armados, emitiu um relatório dizendo que ‘não havia nada de irregular na área’. A presença do Promotor de Altinho durante o despejo, e sua atitude autoritária e preconceituosa junto às famílias, já deixam claras as razões desse relatório, e mostram que ele não tem isenção nenhuma nesse caso.”
Ela afirmou ainda que já esperavam a possibilidade da presença de pistoleiros, pois durante o despejo foram ameaçados pelo gerente da fazenda. “O tal Dr. Luiz, que se diz proprietário, nos ameaçou pessoalmente ontem, durante o despejo, dizendo inclusive que, por ser veterinário, ‘sabe bem como lidar com animais como nós’”, disse Cássia.
Novamente, no dia 06/04, 250 famílias ocuparam a Fazenda Boi Caju 2, na cidade de Tacaratu. Já houve, em 2004, outra ocupação massiva no local, contando com mil famílias que se lançaram à luta na região. Hoje, os camponeses vêm enfrentando ofensivas e reintegrações de posse que beneficiariam a especulação imobiliária na cidade.
No mesmo espaço de tempo, outras 200 famílias sob direção do MST ocuparam a Fazenda Primavera, em Floresta, realizando a primeira ocupação do município. Em Gravatá, foram 110 famílias que reivindicaram suas terras na Fazenda Brasil.
No dia seguinte (07/04), aproximadamente 300 famílias ocuparam a sede da Usina Nossa Senhora do Carmo, em Pombos. A Usina é falida há mais de 20 anos e nunca pagou suas dívidas com os trabalhadores. Os 11 engenhos haviam sido distribuídos entre latifundiários, denunciados pelos camponeses de fazer a prática recorrente do uso da pistolagem, com apoio da PM, e acumulando um histórico de pelo menos 10 assassinatos nas terras da Usina. Em 2005, foi denunciado na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) o abuso de poder cometido pelo interventor da Usina, conhecida à época por “Destilaria Cachoeira”. O interventor, Laerte Pedrosa de Melo, foi anunciado como o principal mandante dos ataques armados contra a população, de acordo com as denúncias feitas no legislativo.
Velhos inimigos do povo
Na madrugada do dia 05/04, na Usina Santa Teresa, situada na cidade de Goiana, entre a Região Metropolitana de Recife e a Região Metropolitana de João Pessoa, foi iniciada outra ocupação do MST, junto a aproximadamente 800 camponeses. A Usina pertence à Companhia Agroindustrial de Goiana (Caig), do grupo João Santos, que vem enfrentando processos e condenações por dívidas trabalhistas de mais de 9 mil funcionários.
A região produz a monocultura da cana, e já existem mais de 10 acampamentos dentro das terras desta Usina, incluindo a sede dos engenhos. A Usina foi fundada em 1910 pelo coronel Francisco Vellozo de Albuquerque Melo e comprada por João Santos em 1935.
A empresa é conhecida desde sempre por pagar baixos salários, atrasar pagamentos e não dar direitos trabalhistas. Em 1998, pagava R$ 2,50 por tonelada de cana cortada. Os trabalhadores então fizeram uma greve, mas quando voltaram para a Usina deram de cara com a Polícia Militar e pistoleiros, numa emboscada que vitimou um camponês, Luiz Carlos da Silva. Em 2008, um júri popular condenou 14 dos 15 réus, sendo 4 soldados da PM, 1 capitão e 9 pistoleiros.
Em 2017, a Caig decidiu fechar as portas por pelo menos 2 anos. Porém, a Usina só foi reaberta em 2023, ao fechar um acordo com a prefeitura de Goiana que cederia 10 hectares para a construção de uma unidade da Ceasa, mas os planos não saíram do papel.
O Grupo João Santos foi criado em 1930 e possui diversas empresas. Além da Caig, hoje é também dono da Tribuna FM e TV Tribuna. Foi o conglomerado mais poderoso do Nordeste por um período, se espalhando por RN, CE, BA, PI, MA, PA, ES e PE.
O grupo tem sede no Marco Zero do Recife. Um dos principais sócios da Caig, Guilherme Cavalcanti da Rocha Leitão, foi indicado pelo Progressistas (PP) para administrador de Fernando de Noronha em 2018, e foi chefe de gabinete da Casa Civil do então governador de Pernambuco, Paulo Câmara. Ele, junto ao outro principal sócio da Caig, José Nivaldo Brayner de Araújo, foi acusado na 15ª Vara por desvios de pagamentos a escritórios de advocacia e repasses ilegais a herdeiros e sócios do grupo.
Publicado em: 2025-04-24 17:17:00 | Autor: Editor Executivo |